Fidel e Lula

Na abertura do documentário Surplus, de Erik Gandini (2003) um discurso de Fidel sobrepõe imagens dos protestos anti-globalização na Itália, durante uma reunião do G8. A edição estilizada demais tira um pouco da força das palavras do líder cubano. Sem entrar no mérito das eventuais virtudes e defeitos do regime cubano, o discurso, num tom bastante juvenil, impressiona pela lucidez com que antevê a atual paranóia em relação ao aquecimento global. Como de costume, Fidel acusa o capitalismo e as nações ricas pela tragédia humana. O discurso mesmo simples é de uma consistência inegável, bastante avançado para um líder tido e havido como pré-histórico.

Acontece que o convalescente comandante en jefe volta à cena justamente com dois artigos publicados na aborrida imprensa oficial cubana – e apenas citadas pelos jornalões internacionais e brasileiros – em referência às visitas de Bush a Lula e de Lula a Bush. Em poucas palavras, Fidel denuncia a substituição da produção de alimentos, no caso americano de milho e cereais, para produção de etanol capaz de sustentar as frotas de veículos dos países ricos. Há um embate direto com Lula, que por sua vez publicou artigo no Washington Post sobre o tema. Lula crê nos combustíveis renováveis como geradores e distribuidores de renda, como solução do problema do aquecimento global e, de quebra, caminho mais rápido para o “primeiro-mundo”.

Com sua fixação em encontrar uma panacéia de alcance global capaz de lhe permitir dizer “nunca no planeta Terra se fez tanto pela humanidade”, Lula está embriagado pelo suposto milagre do etanol. O confronto direto com o bloco Cuba/Venezuela, de braços dados com Bush é um rompimento ainda maior com as posições históricas da esquerda brasileira. É o verdadeiro “investment grade” do governo Lula.

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