O que está por vir

Não se pode deter o que está por vir. Uma frase aparentemente jogada no roteiro de “Onde os Fracos Não Tem Vez” é a essência do filme dos irmãos Coen. A película, grande vencedora do Oscar, fala sobre o conflito entre dois mundos, ou talvez entre vários mundos, em meio o deserto arisco do Texas. A sobreposição de temas contemporâneos como ultra-violência, drogas, psicopatia e mesmo o rastreamento é pano de fundo para uma discussão mais intensa. Aquele senhor, sentado numa cadeira de balanço, conversa com um desolado Tommy Lee Jones, o xerife cansado de já ter visto de tudo, é a voz saudosista dizendo que o pior ainda está por vir. É mais um entre as pesonagens que surgem sem avisar. Não é por acaso.

Essa é uma especialidade dos irmãos Coen. Retratam a desgraça humana usando caipiras nas profundezas estadunidenses, do norte gelado de Fargo ao deserto escaldante de “Onde os Fracos Não Tem Vez”. Mesmo explorando as personagens mais grotescas, seus perdedores contumazes, os Coen o fazem com um condescendência admirada. Não ridicularizam seus tipos, como se dizessem, “fosse eu um bronco do meio-oeste faria o mesmo”. Os Coen são hoje os melhores documentaristas da ficção americana.

A linearidade de “Onde os Fracos…” se perde num momento preciso do filme. O herói é abatido e sua morte não ocupa mais que segundos na tela. A morte se esvai no absurdo psicótico de Javier Barden, o grim reaper, e contamina o roteiro do filme. Todos os nós da trama se desatam para não mais haver sentido. E aí que aparece o velho na poltrona e decreta “Não se pode deter o que está por vir”.

Mesmo com essa tradução exdrúxula, o título escolhido para a versão em português não deixa de ser interessante. Resgata uma tradição de títulos poderosos para filmes de caubói. Mas só conta uma parte da história. “No Country for Old Men” significa sim “onde os fracos não tem vez”. Mas esconde a verdadeira mensagem do filme. Nessa terra inóspita do presente, os mais velhos não tem a menor chance de sobrevivência.

7 thoughts on “O que está por vir

  1. Esse filme é meio uma versão “cult” de um Terminator rodado no Texas. Veja lá, tem um estrangeiro com um corte de cabelo esquisito (Arnold é austríaco e Javier espanhol), e os dois andam armados até os dentes e ao perseguirem seu alvo matam todos que aparecem em sua frente. Dar um Oscar ao Javier é um exagero, não é difícil interpretar alguém sem emoçoes como o robô de Exterminador. É só seguir a proramação básica e seguir em frente, matar e sobreviver. Tem até a cena em que o Terminator arranca seu olho machucado em frente ao espelho, Xavier faz igual com seu ferimento na perna. Se for para dar prêmio para algum que fosse para o Arnold que ao menos foi original e não tenta justificar sua existência. Aí até incluo o assassino de Colateral, interpretado pelo Tom, que ao menos é mais inteligente e não fica se justificando, diz apenas que existem predadores e ovelhas, e ele não escolheu, apenas aceitou o que era.
    Mas voltando ao filme em questão, não gostei, não tenho nada contra os Coen, mas também não é tudo que fazem que deve ser aceito como obra prima.

  2. Seu paralelo com o Arnold é engraçado. Isso é verdade mas, convenhamos, a trama do assassino que caça sua presa sem que nada o detenha é clássica. O mais interessante do filme dos Coen, que não é uma obra-prima, é justamente quando Javier cumpre seu objetivo e o roteiro do filme se perde completamente. Desamarrado, tudo vira quase um nonsense. Isso tem lá sua força.
    Bom, sobre o Terminator, o primeiro é um filme legal. Vi outro dia e o mais incrível é ver recursos técnicos inovadores para a época, no espaço de uma década, virarem efeitos de filme B.

  3. Pois é, Senhor Zagg, concordo com você. O Terminator 1 é o melhor. E esses filmes todos falam sobre a implacabilidade, de um assassino, um perseguidor, um cumpridor de tarefas. Concordo tamém de que o filme dos Cohen se perde no final, acho que justamente pela falta de objetivo do personagem que ao cumprir sua tarefa maior, acaba tendo que inventar mais tarefas incompletas para se fazer. Pois é, acho que essa justamente pode ser a real diferença entre esses dois filmes – obrigado por salientar – o assassino dos Cohen é humano. O robo exterminador ao terminar sua tarefa encerra sua programação e pode ficar em paz, num certo estado ‘waiting mode’ ( no filme isso não acontece , mas creio que seria como uma ferramenta que não sofre por estar sem uso.) Xavier pelo contrário, precisa que o conflito continue existindo para que ele continue dando sentido a sua existência. Assim como nós não-assassinos profissionais nos sentimos perdidos ao perder um emprego. Alguns de nós, a maioria por sinal, ficamos tão imersos em nossas programações socio-mental-emocionais que acabamos por fazer de tudo para que o sistema continue em funcionamento. Qualquer coisa é melhor do ficar parado e ter que lidar com o problema da falsa existência humana. Nem mesmo uma batida de carro. E a pergunta, a personagem de Xavier é um perseguidor ou um fugitivo implacável?
    Obrigado pela conversa. Comecei a gostar mais do filme. E porque ele não mata o xerife Tommie Lee?

  4. Falando em filmes e Oscar, assisti a Juno e fiquei realmente surpreso. Se um dia assistir, escreva aqui algumas palavras. Até.

  5. Voltei…refleti mais e você realmente teve um entendimento melhor do filme do que eu. Acho que minha presente ressaca de tiros, mortes, explosões e traficantes não me permitiu ver o filme com outros olhos. E os irmãos são mais inteligentes do que parece. Lembrando agora, o diálogo da personagem de Javier com o velho do posto de gasolina é muito bom, dá pra sentir o medo na pele, vai virar clássico daqui um tempo. Javier mereceu seu premio bem ali.
    Voltando a fita, lembro da frase “There is only one right tool.” que o assassino diz ao executar seu contratante. Ao contrario do que achei na hora, a frase de justificativa barata não veio de um roteirista que como na maioria dos filmes atuais coloca frases feitas na boca de seus personagens. Ela veio mesmo é da mente pobre e psicótica do assassino. Grande diferença. Mas que eu deixei passar.
    Quem sacou mesmo tudo isso foi a esposa que se recusa a escolher o lado da moeda e dar um motivo para seu executor.
    Bom, paro por aqui, novamente, obrigado pela conversa. Até.

  6. O filme é reamente bom. Chega a ser uma surpresa que tenha ganho um Oscar. Mas quem fala a frase sobre “o que está por vir” não é o velho no posto de gasolina. E o mesmo que fala sobre jovens de piercing e cabelo rosa andando pelo “good old Texas”. Há uma alegoria, conservadora é verdade, sobre o que vem pela frente.
    É um de outro senhor, amigo do Tommy Lee, não me lembro mais. É uma personagem surgida do nada.
    Ele aparece após a morte do caubói.
    Não sei porque ele não mata o xerife. Muito provavelmente porque não estava no seu contrato. Assim temos um assassino psicopata imperioso no cumprimento das regras. Um quadro de Transtorno Obsessivo Repetitivo. Um mal moderno por excelência. Bardem interpreta uma personagem e tanto.
    E, de certa maneira, são todos uns abnegados satisfazendo suas missões como formigas no deserto.
    A morte do caubói funciona como um chute no formigueiro. A trama vira um caos, deliberadamente furada e sem sentido. É um puta filme.

  7. O diálogo a que me referi acontece mesmo entre o assassino e o dono da vendinha. É quando Javier usa pela primeira vez sua moeda do destino. Acho que é a maior fala da personagem no filme todo.
    Até.

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